Um conto espacial (Parte 8)

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-PARTE 8-

12 de Fevereiro
Fim do dia

Ying Yue fala com os pais, que tiveram notícias da prima. O tio de Ying Yue morreu. Foi fulminante. Sentiu-se sem energia, a respiração ficou pesada, faleceu numa ambulância a caminho do hospital. Estão desolados pelo súbito acontecimento e é difícil lidar com a realidade por não se perceber ao certo o que se está a passar. As autoridades dão informações contraditórias. Não há certezas quanto à forma como se transmite o vírus. Não conhecem ninguém que esteja infectado mas muitas pessoas morrem de um dia para o outro. As autópsias revelam a presença do vírus mas pouco mais se sabe.

YY: "Estão a ligar da AENC, tenho de atender. Por favor protejam-se. Liguem-me novamente de amanhã de manhã."

"Sim filha, fala com eles. Se souberes de alguma coisa importante conta-nos. Até amanhã." - respondeu o pai.

YY: "Estou aqui. Contem-me novidades. Já tenho um óbito na família. O meu tio morreu. O que se passa aí? Já se sabe algo de concreto?"

AENC: "Lamentamos ouvir isso. O que se conseguiu apurar durante o dia foi o seguinte: o vírus é virtualmente fatal para quem é infectado. Contudo, muitas pessoas estiveram em contacto com ele e não foram infectadas. Não se percebe porquê. Não há certezas sobre o tempo de incubação e os sintomas são estranhos. O vírus ataca o sistema respiratório mas a falência do organismo parece ser geral e as mortes não se devem necessariamente a falha pulmonar."

YY: "Em princípio a transmissão será como nos outros vírus, não? Já estão a usar máscara?"

AENC: "As medidas prenventivas são as já conhecidas para outros vírus respiratórios. Uso obrigatório de máscara, desinfectar mãos e superfícies, etc. Mas nada disto foi testado nem houve tempo para tal. Surgiu e alastrou-se de tal forma que não há tempo para prevenções, recomendações nem comunicação apropriada. Na Birmânia o cenário é de catástrofe com muitos mortos de um dia para o outro, sem que nada o fizesse prever. Já há relatos de casos no Laos e da Tailândia."

YY: "Mas se as pessoas se isolarem e não tiverem contacto umas com as outras o vírus vai parar. Requer muita logística e celeridade mas não parece haver outra solução."

AENC: "Todas as medidas que estão a ser postas em prática vêm de experiências anteriores porque não tem havido tempo para estudar convenientemente o vírus. Certamente teremos notícias amanhã. Tenta descansar e não pensar muito nisto."

YY: "Ok, tenham cuidado. Até amanhã."

Ying Yue vai ter com os colegas à copa para lhes contar as más novidades. Ao chegar, ouve Bogdan:
"Um directo de um canal russo sobre o vírus. Deixem ouvir."

"Traduz." - pede Kellen.

"Sim, espera." - diz Bogdan que parece ficar preocupado com o que vê no noticiário. "Mortes repentinas na Rússia. Autópsias com resultados inconclusivos mas num caso foi detectado o vírus."

"Na Rússia, onde? Num local ou em mais do que um?" - perguntou Richard.

"Em vários. Há relatos a chegar a todo o instante." - respondeu Bogdan. "Rússia fecha fronteiras e cancela voos, à semelhança do que a China fez ontem."

"Talvez devessem todos fazer isso preventivamente." - diz Idrissa

Arwa: "A Arábia Saudita não é muito longe. Era bom que estivessem atentos. A maior parte dos passageiros que entram e saem do país fazem-no através do Hyperloop do deserto. Arábia-Iraque-Irão... A maior parte das pessoas que conheço vai à China e à Rússia dessa forma. O hub de Hyperloop de Kabul tem mais passageiros do que todas as companhias aéreas a operar na região."

Daniel: "Pois. Se é para fechar, que se feche tudo."

A conversa continuou enquanto jantavam. Mudaram de assunto, tentaram abstrair-se mas era difícil. Normalmente falavam das famílias, mas sabendo da perda de Ying Yue, evitaram. Durante o trabalho focam-se em tudo o que de passa na EEI. Naquele momento de relaxamento é quando falam do que deixaram na Terra. Hoje não lhes apetece falar de trabalho e transparece alguma preocupação quando falam da Terra.

"Dia" e "Noite" são conceitos que não fazem sentido na EEI que faz 15,7 órbitas, lá está... por dia. Convencionou-se o uso das palavras para identificar os período de trabalho e de descanso. Ajuda a cumprir uma rotina de actividade, inactividade, alimentação, lazer mas nada tem a ver com a luz do sol.
A isto junte-se o facto de os astronautas originários de países tão distantes, com tão diferentes fusos horários, e acontece que em qualquer momento pelo menos algum deles tem alguém com quem falar, um noticiário nacional para ver.
É tempo de descansar mas alguns preferiram ficar acordados, em contacto com os seus países, a tentar saber mais informações. As missões espaciais são exigentes. Requerem disciplina. É uma grande responsabilidade partilhada por todos os membros da tripulação que não se compadece com distrações.
Recolheram aos seus quartos, não com a mente limpa como gostariam, nem a pensar no trabalho do dia seguinte, mas ansiosos por saber desenvolvimentos do que se passa "lá em baixo."


imagem: pixabay.com