Desde que foi anunciada, em junho, a criptomoeda Libra (https://libra.org) da associação com o mesmo nome comandada pelo Facebook tem dado o que falar. Prevista para começar a circular em 2020, a proposta do white paper é lançar uma moeda simples e global, empoderando bilhões de pessoas com sua infraestrutura de serviços financeiros. Uma carteira separada das redes sociais da companhia (Instagram e Whatsapp, além do Facebook) será desenvolvida por uma outra subsidiária chamada Calibra (https://calibra.com/).
Mal apareceu e tem gente que acha que ela vai chacoalhar o mercado financeiro e das comunicações, como especula o artigo - Facebook wants to create a worldwide digital currency (Facebook quer criar uma moeda digital mundial) - publicado no site da revista The Economist, outros compararam com a tática de traficante para viciar pessoas aos ativos digitais - Facebook created a ‘gateway drug’ to introduce billions to cryptocurrency, experts say (Facebook criou uma porta de acesso às drogas para introduzir bilhões de pessoas às criptomoedas, defendem especialistas) - como noticiou o site da CNBC, os mais céticos ironizaram a tecnologia centralizada e restrita - Facebook’s Libra: blockchain, but without the blocks or chain (Libra do Facebook: blockchain/sequência de blocos, mas sem blocks/blocos nem chains/sequências) - quando comparado a outros projetos de criptomoedas como o Bitcoin, o Ethereum e porque não o próprio Steem blockchain aqui.
Mapa das principais rotas e produtos comercializados pela VOC no Século XVII. Fonte: The Nautilus Cup
Vereenigde Oostindische Compagnie - VOC
Como ainda não está disponível prefiro não comentar mas achei legal de comparar os iminentes tokens do Facebook às moedas emitidas pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, cuja sigla VOC deriva do nome no idioma batavo, que reproduzi antes deste parágrafo. A VOC foi criada em 1602 e se tornou uma das primeiras megacorporações do mundo até ter sua falência decretada em 1799. Segundo a Wikipédia a companhia inventou o que conhecemos hoje como ações e a bolsa de valores, inaugurou e controlou as rotas comerciais entre a Ásia e a Europa, para isso construindo navios, armazéns, portos e cidades onde circulavam sua própria moeda. Lugares fundados ou conquistados, controlados e defendidos por um exército próprio que chegou a ter 10 mil soldados em sua folha de pagamento.
Um infográfico publicado pelo site Visual Capitalist comparou o valor de mercado da VOC com as corporações atuais - The most valuable companies of all time - estimando que, em valores atuais, seria maior que a Apple, Amazon, Alphabet, Microsoft, etc, juntas! Mencionei mais ou menos isso quando comentei sobre a criptomoeda Libra na Apresentação "Sorria vc está sendo tokenizado. Blockchain, criptomoedas e dados pessoais na publicidade e redes sociais", que mostrei na Blockcrypto, disponível para download no SlideShare, na ocasião brinquei que caso o Facebook também acabasse criando um exército, que provavelmente os soldados seria parecidos com os robôs da Boston Dynamics daquele vídeo sátira que viralizou recentemente :-)
Uma curiosidade, a VOC foi a única via de contato do Japão com o ocidente permitida no período de isolamento imposto pelo shogunato Tokugawa (1633 a 1853), o intercâmbio era restrito à minúscula ilha de Dejima e na época deu origem ao termo Rangaku ou "estudos holandesas" ou "estudos ocidentais". Antes de fechar as fronteiras, portugueses e espanhóis mantiveram missões apostólicas no Japão, converteram muitos senhores feudais e camponeses ao cristianismo, que depois foram expulsos, mortos ou crucificados por ordem do shogunato. Talvez por não misturar religião e comércio, os funcionários da VOC viraram excessão, sendo tolerados e restritos ao entreposto em Dejima.
Palácio de Friburgo, residência de Maurício de Nassau, construído entre 1640 e 1642 na então Mauritsstad, atual cidade do Recife/PE. Fonte: Wikipédia.
Concorrência da West-Indische Compagnie - WIC
Fundada mais de uma década mais tarde, em 1621, a Companhia Holandesa das Indias Orientais e sua sigla em holandês WIC não alcançou o mesmo sucesso da VOC. Segundo o verbete na Wikipédia o empreendimento recebeu um alvará garantindo o monopólio do comércio e tráfego de pessoas escravizadas nas américas e caribe. Atacaram a cidade de Olinda em Pernambuco e construíram Recife seguindo o urbanismo holandês de aterros e canais para sediar a filial brasileira. Até hoje a gestão de Maurício de Nassau, espécie de CEO da WIC entre 1637 e 1644, é lembrada pois neste período o domínio da empresa expandiu na costa do nordeste incluindo Maranhão, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, ameaçando até a Bahia. Quando os portugueses retomaram a região aparentemente destruíram tudo que lembrasse a WIC, sobrando só o forte Orange na Ilha de Itamaracá, devidamente rebatizado de Forte de Santa Cruz.
Quando minha mulher e eu visitamos a Cidade do Cabo, cheguei a compartilhar aqui uma foto - Table Mountain (Montanha da Mesa) vista do Waterfront na Cidade do Cabo na África do Sul - da impressionante beleza natural, deparamos com alguns lugares da época da VOC, o porto foi importante ponto de abastecimento dos navios da Companhia das Indias Orientais e alguns prédios, praças e canais sobreviveram até agora. Claro que o resto da paisagem da cidade mudou completamente, para se ter uma ideia, a Strand Straat (Rua da Praia) hoje em dia fica no centro da cidade, depois de aterros e reurbanizações, a beira do mar foi afastada para centenas de metros dali.
Nota em papel, moedas e uniforme de soldados da VOC. Traders no pátio da bolsa de valores de Amsterdã, detalhe da pintura de Emanuel de Witte. Fonte: Papermoney Indonesia e Wikipedia.
Zuckerberg, um CEO de palavra
Resumindo, a força transformadora (e destruidora) de uma mega corporação como a Cia das Índias e quem sabe o Facebook, pode resistir e continuar visível e presente anos e anos depois de sua falência. Ter ou não uma moeda própria, exército formal, infra-estrutura física, veículos, leis ou tribunal, são apenas reflexos ou exigências de sua atividade principal (beneficiar e transportar açúcar, especiarias e produtos do oriente para a Europa no caso da VOC). Na midia brasileira, economistas demonstram desde temor, como Laura Carvalho na Folha de SP - A soberania do Facebook - questionando uma possível ameaça aos estados e sua democracia, até certo entusiasmo, como Gustavo Franco no Estadão - Libra. O McDonald’s poderia criar o Mac, uma criptomoeda conversível em bigmacs. - sugerindo a adoção da ideia por outras empresas.
De qualquer forma, depois do que publiquei aqui em janeiro de 2018 - A montanha se moveu! Mark Zuckerberg cita criptografia e criptomoedas em seu tradicional post com resoluções de ano novo - a palavra foi cumprida. Naquela época fiquei na dúvida, mas pra aproveitar o surpreendente interesse, na sequência postei #FollowMark - Que tal divulgar o Steem blockhain publicando estas imagens sobre o desafio do Zuckerberg para 2018. Se vc ainda usa o Facebook, claro :-) Depois de um tempo, sugeri outra hashtag em Você tem dado em casa? Usando o Facebook a resposta é sempre sim :-) #vctemdadoemcasa
Antes da formalização da Libra houve especulação em torno de um token para messenger da companhia - O Globo: Facebook estuda criar criptomoeda para transações por WhatsApp - que não é tão popular nos EUA e Europa como é no Brasil e Índia. E como postou o @nascimentoab meses atrás - Globalcoin. Esse é o nome da moeda digital do facebook - as especulações apontavam outro nome pra criptomoeda de estréia da gigante das redes sociais. Para nós que vivemos a algum tempo essa experiência juntando cripto e social media aqui no Steem blockchain, tanto pode ser uma grande ameaça como uma enorme oportunidade, tanto que a @paulag publicou: Will Libra Help Steem, or Hurt it? (A Libra vai ajudar ou prejudicar o Steem?).
Agora que está prestes a acontecer a explosiva fusão já estamos sentindo na prática os reflexos da decisão dos membros fundadores da associação Libra, começando com a movimentação dos concorrentes, governantes e banqueiros estudando se vão regular, proibir ou esperar pra ver o que está por vir. E se o fundador do Facebook continuar cumprindo o que diz, podemos esperar algo tão ou mais atemorizante e poderoso que o exército da VOC no século XVII, pois como registrou este artigo do site Futurism dois anos atrás - Mark Zuckerberg Just Voiced His Support for Universal Basic Income (Mark Zuckerberg verbalizou seu apoio à Renda Básica Universal) - a Libra pode ser apenas o primeiro passo para algo bem mais ambicioso.
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